A maioria das empresas pagou apenas 20% do total do IRC

As desigualdades fiscais em Portugal <b>(*)</b>

A situação fiscal em Portugal pode caracterizar-se pela existência de profundas desigualdades e, ao contrário da correcção da desigualdade crescente dos rendimentos – que a política fiscal deveria servir –, poder-se-á afirmar que as tendências mais recentes da fiscalidade em Portugal apontam para o aprofundamento das desigualdades pela via das políticas fiscais.
De facto, o peso da tributação indirecta no conjunto das receitas fiscais é excessivo e tem vindo a aumentar nos últimos anos, o que tem agravado o esforço fiscal dos estratos de menores rendimentos. Acresce que, em termos de imposto sobre a riqueza e sobre o rendimento, a tributação que incide sobre as famílias (o IRS) tem crescido a ritmos bem mais elevado que a tributação que incide sobre as empresas (o IRC). Muitos dos rendimentos gerados em actividades especulativas continuam a não ser tributados (os rendimentos de acções detidas há mais de 1 ano, por exemplo).
A evasão e a fraude fiscais são fontes de enorme injustiça entre os cidadãos e empresas. Como é sabido, o facto de grande número de contribuintes não pagarem impostos ou declararem rendimentos abaixo dos montantes efectivamente recebidos leva a que uns paguem taxas mais elevadas para compensarem a falta de receitas dos contribuintes faltosos. Como a CGTP-IN desde há muito tem proclamado, é inaceitável a situação de incumprimento das obrigações fiscais, devendo o Estado mobilizar os recursos necessários para combater esta tão importante fonte de desigualdade.
Finalmente, os benefícios fiscais concedidos beneficiam sobretudo as empresas e, mesmo no caso dos benefícios concedidos em sede de IRS, alguns incidem sobre a poupança (PPR, por exemplo) e os contribuintes que deles usufruem são essencialmente os estratos de rendimentos mais elevados, o que reduz a progressividade dos impostos.

A fraude e evasão fiscais como causas das desigualdades

Os esforços de combate à fraude e evasão fiscais têm gerado alguns resultados positivos nos últimos anos, embora alguns dados mais recentes apontem para um certo abrandamento desse esforço de recuperação das receitas fiscais devidas.
O problema da economia paralela tem um impacto enorme na economia e representa uma grande parte das receitas fiscais necessárias para financiar os serviços públicos e as necessidades sociais da população.
Com efeito, segundo algumas estimativas credíveis, a economia paralela continua a reforçar-se e abrangerá actualmente entre 20 a 25 % do PIB (Produto Interno Bruto). Isto significa que cerca de 35 mil milhões de euros fogem anualmente aos impostos e esta evasão poderia gerar receitas da ordem dos 6 a 7% do PIB, ou seja, mais de 10 mil milhões de euros, por ano, de receitas fiscais. Ou seja, a recuperação destas receitas – os 10 mil milhões de euros – daria para pagar a toda a despesa pública com a saúde da população portuguesa.
Uma vez que os trabalhadores por conta de outrem fazem retenção na fonte, a generalidade da evasão fiscal tem a ver sobretudo com outras categorias de contribuintes e de rendimentos que não do trabalho (empresas, profissionais liberais, quadros e gerentes de empresas com condições especiais de retribuição, rendimentos de capital, etc.), sendo um facto que a grande parte das receitas fiscais acaba por ser suportada pelos trabalhadores por conta de outrem, em especial pelos estratos médio e médio-alto do sector privado e do sector público.

Tributação indirecta agrava desigualdades

A ideia de que os portugueses pagam muitos impostos e a decorrente necessidade da sua diminuição – desde os tão propalados «choques fiscais» – tem sido repetida até à exaustão, na esperança de encontrar argumentos para justificar a diminuição das políticas sociais por incapacidade de financiamento do Estado e, por outro lado, para dar maior competitividade às empresas, aligeirando-as das alegadas taxas de IRC demasiado elevadas e intensificar ainda mais o seu desagravamento fiscal ocorrido nos últimos anos.
Com se evidencia nos Gráficos I, II e III, a realidade é bem diferente. Em termos do peso das receitas fiscais no PIB, pelos últimos dados disponíveis publicados em 2007 pela OCDE e respeitantes a 2004, Portugal ocupa um lugar abaixo da média dos países da OCDE e muito abaixo da generalidade dos países mais desenvolvidos (34,5% em Portugal contra 35,9% na média dos países da OCDE e 39,7% da média da União Europeia a 15).
Um outro aspecto a salientar, e não de somenos importância, é o facto de Portugal apresentar no contexto dos países da OCDE uma das mais baixas taxas de imposto sobre o rendimento e a riqueza e, simultaneamente, uma das mais elevadas taxas de imposto sobre os bens e serviços1.Quer isto dizer que o nosso sistema fiscal é profundamente injusto, pois continua a penalizar fortemente os estratos dos rendimentos médios e baixos pela via do elevado nível da tributação indirecta.
Os dados da OCDE não deixam margem para dúvidas e bastará olhar para a nossa posição relativa quando nos comparamos com outros países, em termos do peso no PIB das receitas oriundas do rendimento e da riqueza. De facto, em Portugal, os impostos sobre o rendimento e a riqueza, em 2004, representavam 8,3% do PIB, quando este rácio era de 12,5% para a média dos países da OCDE e de 13,4% para a média dos países da União Europeia a 15 (ver Gráfico II).
Já quanto ao peso dos impostos sobre bens e serviços no PIB, Portugal ocupava em 2004 um dos lugares cimeiros, muito acima da média dos países da OCDE e da União Europeia (13,3% do PIB em Portugal, contra 11,4% para a media dos países da OCDE e 12,5% para a média da Europa dos 15).
Dados mais recentes disponíveis para os países da União Europeia apontam neste mesmo sentido: Em Portugal paga-se relativamente menos impostos pelo rendimento e pela riqueza e relativamente mais imposto pela despesa em bens e serviços.
Em 2006 – Fonte: Eurostat.ec.europa –, o peso no PIB das receitas fiscais oriundas dos rendimentos e da riqueza era em Portugal de 8,9%, quando na União Europeia a 25 era de 13,4% (Espanha:11,7%; França: 11,8%; Alemanha:10,8%; Itália: 14,5%; Luxemburgo: 13,2%; Holanda:11,7%; Áustria:13,1%; Finlândia 17,2%; Suécia 20,0; Reino Unido: 17,2%; Noruega: 22,5%)

Os impostos indirectos e o IRS crescem duas vezes mais que o IRC

Em 2006, o total das receitas fiscais rondava os 33 mil milhões de euros, dos quais 20 mil milhões respeitavam a impostos indirectos, ou seja, 61,3% do total.
Entre 2001 e 2006, verificou-se um crescimento anual dos impostos, a preços correntes, de 4,5% ao ano. No entanto, a taxa de crescimento dos impostos directos foi de 2,2%2 enquanto que a dos impostos indirectos foi de 6,2%. Esta evolução dos impostos penaliza os contribuintes de menor rendimento, uma vez que os impostos indirectos recaem sobre a despesa e são, por isso, cegos ao rendimento, tanto pagando de imposto pela mesma despesa aquele que ganha 7 mil euros anuais como aquele que ganha 70 mil euros anuais.
A evolução dos principais impostos ao longo dos últimos anos foi diversa. Com efeito, tomando-se como base 100 o ano de 2001, entre 2001 e 2006 destaca-se a evolução mais significativa do imposto de selo (+43%), do imposto sobre os produtos petrolíferos (+42%), do IVA (+38%) e do imposto sobre o tabaco (+34%). Uma evolução relativamente mais fraca que a do total dos impostos (+24,6% entre 2001 e 2006) verificou-se no IRS (+15%), no IRC (+6%), no imposto automóvel (-2%) e, sobretudo, no imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas (-21%).
De acordo com os últimos dados do Ministério das Finanças, sobre a execução orçamental de 2007, o IVA neste ano atingiu 13 191 milhões de euros e o Imposto sobre produtos petrolíferos totalizou 3 169 milhões de euros. Face a 2001, os aumentos foram da ordem dos 47%, o que significou, apenas nestes dois impostos, um aumento da receita da ordem dos 5250 milhões de euros.

O peso excessivo dos benefícios fiscais cria injustiça e reduz a progressividade

Em 2006, o total dos benefícios fiscais rondava os 910 milhões de euros, dos quais cerca de 530 milhões respeitavam a despesa fiscal com impostos directos e cerca de 380 milhões a despesa fiscal com impostos indirectos.
No entanto, de acordo com o Orçamento de Estado para 2008, e devido a uma maior transparência nesta matéria decorrente duma deliberação do conselho Superior de Estatística, os benefícios fiscais rondarão os 3000 milhões de euros, dos quais 2100 milhões de euros são benefícios às empresas (apenas os benefícios fiscais que serão concedidos à Zona Franca da Madeira em 2008, atingirão 1800 milhões de euros).
Entre 2001 e 2006, a despesa fiscal, a preços correntes, registou uma quebra de 2% ao ano. Nesse período, a despesa fiscal em IRS baixou 10% ao ano, enquanto os benefícios concedidos em sede de IRC aumentaram em 5% ao ano. Assim, entre 2001 e 2006, os benefícios fiscais concedidos em IRS diminuíram 190 milhões de euros, enquanto que os concedidos em sede de IRC aumentaram 56 milhões de euros.
Embora não se disponha de elementos actualizados sobre a repartição dos benefícios fiscais pelos escalões de rendimento, em sede de IRS, a ideia que existe é que tenderão a beneficiar sobretudo os escalões de rendimentos mais elevados, uma vez que os contribuintes dos estratos mais baixos não os utilizam (por exemplo, os benefícios fiscais relativos à poupança, como os PPR).
Finalmente, refira-se que anualmente são atribuídos benefícios fiscais a empresas, caso a caso, para atrair o investimento estrangeiro, em valores que em muitas das situações não são contabilizados e que, por isso, se desconhecem.

O imposto sobre os rendimentos das pessoas singulares (IRS)

Em 2005, o número de declarações de IRS rondava os 4 294 milhares3 de agregados, dos quais 68% eram do modelo 3-1 (trabalhadores por conta de outrem e pensionistas). Em 4 anos o número de agregados aumentou em cerca de 425 mil contribuintes (mais 263 mil agregados do modelo 3-1 e mais 62 mil do modelo 3-2). No entanto, naquele ano, em termos de número de agregados com IRS liquidado, os contribuintes do modelo 3-1 eram 1150 milhares (40% do total destas declarações) e os contribuintes do modelo 3-2 eram 900 mil (64% do total destas declarações).
Em termos da distribuição do número de titulares por categoria de rendimento, verifica-se que 54% são trabalhadores por conta de outrem e 19,3% são pensionistas. Assim, estas categorias representam 64% do total de titulares e concentram cerca de 87% dos rendimentos brutos declarados. Outro grupo com algum significado é o dos trabalhadores por conta própria, com 12,4% dos titulares que concentram 8,2% do rendimento.
A taxa efectiva de tributação bruta – correspondente ao rácio entre o total do IRS liquidado e o rendimento bruto foi, em 2006, de 10,3% para o total dos agregados (6,8%% para o modelo 3-1 e 14,4% para o modelo 3-2). Refira-se ainda que a taxa bruta efectiva para os contribuintes com trabalho dependente – os TPCO – é de 7,6%, a dos pensionistas é de 3,2% e a dos que são simultaneamente TPCO e pensionistas é de 6,7%.
Em 2005, em termos de IRS, o conjunto dos cinco distritos mais importantes do litoral – Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro e Braga – concentrava 63,1% dos agregados, 66,4 do rendimento bruto e 73,4% do total do imposto liquidado.

O imposto sobre os rendimentos das pessoas colectivas (IRC)

Em 2005, o número de declarações de IRC rondava os 360 mil contribuintes. A taxa efectiva de tributação era de 17% em 2005, quando em 2003 se situava nos 19%. No sector financeiro a taxa efectiva é semelhante (23% em 2003 e 20% em 2005, mas ainda aquém das taxas nominais).
Assinala-se que, em 2005, do total de declarações 19% não procederam a «qualquer pagamento», ou seja, cerca de 69 mil empresas não pagaram qualquer imposto. Em 2005, para mais de 223 mil empresas, ou seja, 62% do total, o IRC liquidado foi nulo. Acresce que esta situação é muito semelhante à verificada em 2003 e 2004 (64% e 62% das empresas apresentaram um IRC liquidado igual a zero). Em resumo, poder-se-á dizer que, em 2005, mais de 1/3 das empresas (37%), ou seja 135 mil empresas, apresentaram prejuízo fiscal: 63% das empresas, em 2005, apresentaram lucro tributável; 6% das empresas apresentaram resultado fiscal nulo (22,3 mil empresas); 31% das empresas apresentaram prejuízo fiscal (113 mil empresas).
Em 2005, em termos de IRC, o conjunto dos cinco distritos mais importantes do litoral – Lisboa, Porto, Setúbal, Aveiro e Braga – concentrava 66% dos contribuintes, 78% da matéria colectável e 79% do IRC liquidado.
O Gráfico IV evidencia a distribuição dos contribuintes por escalões do total de proveitos, nos anos mais recentes, verificando-se que a classe até 150 mil euros de facturação é a mais representativa, concentrando 51% dos contribuintes, seguindo-se a classe dos 50 mil a 500 mil euros (20% do total dos contribuintes). Os contribuintes que facturam mais de 25 milhões de euros são apenas 1505 contribuintes (0,4% do total) e os que facturam mais de 250 milhões de euros são apenas 139 contribuintes.
O Gráfico V compara, para algumas actividades, a % no total das declarações com a % no total do IRC liquidado. Em 2005, o conjunto destas actividades representava 81% do total de contribuintes em IRC e 61% do total de IRC liquidado4. Por exemplo, o sector agrícola concentrava apenas 0,8% do IRC liquidado, embora representasse 2,4% do total das declarações; o sector hoteleiro concentrava apenas 1,5% do IRC liquidado, embora representasse 8,2% do total das declarações…
Saliente-se ainda que, em 2005, o IRC pago por declaração rondou os 8100 euros; no entanto, na Agricultura foi apenas de 2550 euros, na Hotelaria foi de 1525 euros…

Alguns dados

- Em 2005, apenas 1500 empresas, ou seja, 0,4% do total – o escalão das empresas com mais de 25 milhões de proveitos – concentraram cerca de 40% da matéria colectável e 40% do IRC liquidado;

- Cerca de 300 mil empresas, as que facturaram menos de 500 mil euros ano, e que representam 84% do total de empresas, pagaram apenas 20% do total de IRC. Ou seja, o IRC pago foi, em média, de apenas da ordem dos 1900 euros por empresa.

- As empresas com facturação inferior a 150 mil euros / ano, embora representem mais de metade do total de empresas, pagaram apenas 7% do total do IRC. Em média, as empresas com facturação inferior a 150 mil euros pagaram de IRC apenas um pouco mais de 1000 euros por ano, ou seja, cerca de 86 euros por mês…

Gráfico 1

Gráfico 2

Gráfico 3

Gráfico 4

Gráfico 5




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